Autores
J. Candeias Silva
Álvaro Batista


In Memoriam

Diogo Armando da Silva Oleiro e Prof. João Manuel Bairrão Oleiro.

Pioneiros da arqueologia abrantina e primeiros diretores do Museu D. Lopo de Almeida.
Martinchel Aldeia do Mato Souto carvalhal Fontes Rio de moinhos Svicente SJoao Alferrarede mouriscas TRAMAGAL riotorto rossio pego Concavada Alvega Sfacundo valeMos bemposta


Estações inventariadas até 1995

Situação dos Limites da Evolução Administrativa

Clima

Geomorfologia

Aptidão dos Solos

Recursos minerais

Flora

Fauna

Outros Aspetos

Situação dos Limites da Evolução Administrativa
Localiza-se este concelho no Nordeste do Ribatejo, no distrito de Santarém, tendo como pontos extremos do seu território os paralelos 39 14’ 04’’ e 39 38’ 52’’, respectivamente a Sul e a Norte, e os meridianos 7 56’ 17’’ e 8 21’ 14’’ W de Greenwich, respectivamente a Oriente e a Ocidente. É delimitado a Norte pelos concelhos de Vila de Rei e Sardoal, a Sul pelos de Ponte de Sor e Chamusca, a Oeste pelos de Constância e Tomar, e a Leste pelos de Gavião e Mação. Beneficia, por conseguinte, de um excelente enquadramento posicional no conjunto do território português, com a Beira Interior a Norte, o Alentejo a Sul e Leste e a Estremadura / Vale do Tejo propriamente dito para Oeste-Sudoeste. Esta posição central e de convergência de três das principais regiões do país encontra-se materializada nos sistemas viários nacionais, que aqui se cruzam – A23 e IC7, e futuramente também o IC9, as antigas EN n.ºs 2, 3, 118 e 358, e as linhas férreas da Beira Baixa e Leste.

É um concelho dos mais antigos do país, com atestação oficialmente reconhecida desde Dezembro de 1179, data em que lhe foi atribuída Carta de Foral pelo rei Fundador. A sua estrutura territorial, que aliás já vinha de algum tempo antes, foi, todavia, variando ao longo dos tempos, como se pode verificar pelas primeiras demarcações. Assim, em 1173 (ano do documento mais antigo e incontestado que se lhe conhece – doação por D. Afonso Henriques à Ordem de Santiago), o castelo de Ablantes apresentava os seguintes termos e divisões:

“Pelo Zêzere, onde entra no Tejo, seguindo pela margem (direita) do Tejo até ao termo da Idanha; e além do Tejo pela cumeada sobranceira à vinha dos freires (da Ordem) do Templo (¹), e daí como vai por aquela cumeada sobranceira à mata de Alcolobra até meter no arracefe, no Almegião (²), até à Ponte de Sor (quomodo fert in arracef, in Almegion, ad pontem de Soor), e daí como corre o rio Sor para montante até à cabeça de Algude (Alagoa?), e daí às cortaduras (da serra) de Marvão (ad taliadas de Marvan), conforme vertem no Sever, e torna (por este rio) ao Tejo (³)“.  

Era, efectivamente, um extenso território este, que resultava do desmembramento, na margem direita do Tejo, do termo da velha Idanha (Egitania) e abrangia grosso modo os actuais concelhos de Constância, Abrantes, Sardoal e Mação, e, na margem esquerda, alastrava até à fronteira castelhana, englobando além de Constância (Sul), Abrantes e Gavião, os actuais concelhos de Ponte de Sor (parte), Nisa, Castelo de Vide e Marvão.

Por quanto tempo se mantiveram estes limites? Ao certo não poderemos sabê-lo. Tanto o Foral, como as suas sucessivas confirmações régias não comportam quaisquer referências a marcas delimitatórias do concelho, talvez porque previssem desde logo uma circunscrição territorial flexível e dinâmica. Porém, parece óbvio que aquele termo não podia durar muitos anos. A própria concessão do foral em  1179 é já por si um indício de que o anterior termo deve ter sido modificado por essa altura, já que os Espatários não defenderam devidamente o território concessionado e permitiram até, nesse ano, uma incursão almóada sobre o florescente burgo abrantino. Não pode estranhar-se, pois, que em 1194 tenham sido doadas aos Hospitalários as terras de Guidimtesta, para que nelas levantassem um castelo – que veio a ser o de Belver – e através deste reforçassem a linha defensiva do Tejo e fomentassem o repovoamento das terras alto-alentejanas.

O “privilégio de Belver” tem alguma importância para o nosso concelho, porque é o primeiro documento conhecido a definir com alguma precisão os primeiros limites do território abrantino entre o Tejo e o Zêzere; por ele se verifica também que grande parte daquele vasto território a Sul do Tejo, que pertencera a Abrantes, mudou para a alçada dos freires do Hospital. Era esse um tempo em que as fronteiras sofriam constantes oscilações de traçado, em virtude das lutas de reconquista além-Tejo e do jogo de interesses das Ordens militares, pelo que não será de estranhar que o concelho de Abrantes, dada a sua situação de charneira do Tejo, demorasse a estabilizar a sua configuração.

Os desmembramentos do Sardoal, em 1531, e de Punhete (Constância) em 1571 foram, no entanto, os mais sentidos pelos abrantinos, que em vão tentaram obstar no tempo a mais estas amputações. Apesar disso, o concelho manteve grande pujança económica, bem alicerçado no conjunto de núcleos urbanos e rurais que ainda hoje o integram, a que se juntavam mais quatro importantes freguesias rurais: Montalvo e Santa Margarida da Coutada (hoje integradas no município de Constância), Penhascoso, com a Ortiga ainda incluída, mais a Aboboreira (hoje concelho de Mação). Com esta estrutura administrativa se foi equilibrando até ao final do século XIX, altura em que as  reformas de 1895 e 1898 fixaram o concelho que hoje é (⁴).

O presente território, principal elemento físico da identidade abrantina actual, pela sua evolução e pela sua heterogeneidade, misto de várias regiões (tanto de ordem física como antropológica), não poderá, por consequência, ser tomado como uma solução absolutamente natural, espontânea, forjada pelos abrantinos, nem provavelmente definitiva, se tivermos em conta a longa / longuíssima duração. É antes o produto de um conjunto de acasos, de hesitações, de relações temporais, de algumas escolhas, mas sobretudo de  negociações entre poder central e poderes locais. O concelho é o que hoje é, mas podia bem ser outro. E, se o pensarmos arqueologicamente, então o artificialismo ainda ressalta mais, como facilmente se depreenderá.

Que relevantes diferenças ambientais existirão, por exemplo, entre as freguesias de Carvalhal e Sardoal/Santiago de Montalegre, entre Mouriscas e Ortiga, entre Rio de Moinhos e Montalvo, ou Tramagal e Santa Margarida da Coutada? Por outro lado, que semelhanças ou pontos de contacto existirão entre Fontes e Vale das Mós ou Bemposta? Para um “pré-histórico”, ou mesmo para um “abrantino” (ou ariciense?) dos tempos romanos estas fronteiras não faziam sentido. São, porém, as que temos presentemente. E por elas temos de nos guiar.  

Com os seus cerca de 700 km2 de superfície, é hoje o terceiro maior concelho do distrito e, mesmo a nível nacional, de dimensão acima da média.



(1) Vinha que existiria na margem esquerda do Tejo, mesmo defronte do antigo Castelo do Zêzere. O castelo templário estaria situado na margem direita do Zêzere, junto da sua foz e sobranceiro ao Tejo. No alto (sítio de N.ª Sr.ª da Conceição) observam-se ainda restos numa estrutura, que todavia parece apontar para data mais recente. Trata-se de três troços de muralha em forma de U, acusando várias reconstruções. Na muralha virada para o Tejo, com cerca de 23 metros, é visível aparelho de pedra e cal e, na muralha virada para Constância, aparelho de pedra e argila. Da muralha Oeste restam poucos vestígios. O escasso espólio recolhido aponta para a Idade Média. Um bloco aparelhado de granito, existente no local, aparenta feitura romana, embora no local não tenhamos registado outros elementos do mesmo período. O dito castelo, com o seu termo, fora doado pelo monarca aos Templários em 1159; a vinha foi incorporada na doação/confirmação do mesmo Castelo feita em 1169, abrangendo ainda os castelos de Cardiga e de Tomar.

(2) Este arrecefe seria certamente a velha estrada que ligava Tancos à Ponte de Sor, passando ao lado do Tamazim e Água Branca, à qual adiante faremos mais pormenorizada referência. O casal do Almegião deveria situar-se na zona do Tamazim (na actual freguesia de Bemposta). O topónimo ainda se atestava em 1625.

(3) Cf. AZEVEDO (1958: 417, doc. 317). Vide também J. P. Martins Barata, “Doação dos castelos de Monsanto e de Abrantes com o seu termo, por D. Afonso Henriques em 1172 e 1173, à Ordem de Santiago da Espada”, Ethnos, vol. IV, Lisboa, 1965.

(4) Cf., sobre toda esta matéria, J. Candeias Silva, «Abrantes – Identificação de um Concelho», Zahara, n.º 4, Dez. 2004: 31-46. Pelo seu interesse arqueológico, veja-se também a carta de demarcação do Sardoal, passada por D. João III em 10 de Agosto de 1532, in GONÇALVES (1992).
Clima
Em consequência do enquadramento, numa zona de transição entre o Norte atlântico, o sul mediterrânico e o interior continental, e ainda das formas bem contrastadas do seu relevo, o concelho apresenta alguma diversidade climática, revelando-se o Sul mais seco que o Norte e o vale do Tejo com amplitudes térmicas menos acentuadas do que nas zonas planálticas. O clima pode, todavia, caracterizar-se, em termos globais, como temperado e moderadamente chuvoso.

Os valores normais do ano para a temperatura média do ar rondam os 16-17 graus. Julho e Agosto são geralmente os meses mais quentes, com uma temperatura média mensal da ordem dos 24, enquanto Janeiro anda pelos 8-9. Relativamente à precipitação, aumenta de sul para norte, mas pode situar-se numa média anual de 650 mm. Julho e Agosto são meses secos, com uma pluviosidade muito escassa (média 5 mm/mês), enquanto os meses de Novembro a Março são os mais chuvosos (média de 90 mm mensais). Os ventos dominantes são, durante o Estio, os do sector N.NO.O, e de Inverno os do sector N.NE.E, sem contudo atingirem altas velocidades (média entre 7-10 km/h) (⁵).

(5) Fontes: CASTEL-BRANCO (1971: 158-160); E.G.F. (1990: 1-2); e O Clima de Portugal, fasc. VI (Estremadura, Ribatejo e Alto-Alentejo, 1950), e XIII (Normais climatológicas, correspondentes a 1931-1960, Lisboa, 1970: 169).
Geomorfologia
Situando-se o concelho numa zona de contacto de três importantes unidades geomorfológicas do país – o Maciço Antigo, a Bacia Terciária do Tejo e a Orla Mesocenozóica Ocidental (a Oeste do Zêzere com prolongamentos a sul do Tejo) – teria que ser também bastante heterogéneo neste sector.

Podem, assim, distinguir-se no território abrantino três faixas ou zonas, correspondentes a três áreas de diferente formação geológica:  

𝘼 - 𝙕𝙤𝙣𝙖 𝙥𝙡𝙖𝙣𝙖́𝙡𝙩𝙞𝙘𝙖, ao Norte do Tejo, também denominada Charneca, onde predominam formações geológicas inseridas no Maciço Antigo. É esta a área de maior altitude, mais irregular e com declives mais acentuados (superiores a 25 %, como acontece nas encostas da bacia do rio Zêzere e da ribeira de Codes), atingindo as cotas máximas valores acima dos 300 metros. Os terraços antigos constituem um conjunto essencialmente Antepaleozóico e podem mesmo reconhecer-se vários tipos de rochas metamórficas do Precâmbrico (⁶), a aflorar em vários locais. O mesmo Precâmbrico antigo aflora ao longo de ambas as margens do Tejo, desde Tancos a Montalvo, a sudeste de Rio de Moinhos, até perto de Abrantes e Es-nordeste de Alferrarede (bem como desde o Arrepiado até ao Cabeço do Caneiro). Este maciço prolonga-se depois até às Mouriscas e, para Norte, até ao Sardoal e à Serra de Tomar.  O geólogo Carlos Teixeira, aliás na esteira de outros autores (GONÇALVES, ZBYSZEWSKI e CARVALHOSA, 1979), admite mesmo que “o soco essencialmente gnáissico é Precâmbrico mais antigo do que a “Série Negra” do sudoeste peninsular” (TEIXEIRA, 1981: 63-68). A superfície desta zona apresenta-se entalhada por numerosas linhas de água, que por vezes determinaram o desenvolvimento de vales bastante cavados e de grande encaixe (caso do Zêzere, com 150 metros), em consequência da relativa proximidade do maior centro dispersor de águas do nosso país – a Cordilheira Central. Não obstante esse acentuado encaixe, a rede hidrográfica denota pouca hierarquização.  

𝘽 - 𝙕𝙤𝙣𝙖 𝙘𝙚𝙣𝙩𝙧𝙖𝙡, formada pelo vale aluvionar do Tejo, verdadeiro pulmão deste concelho, em plena Bacia Terciária deste grande rio ibérico. Aqui predominam as formações cenozóicas, recobertas nas imediações do vale propriamente dito por um manto quaternário ou antropozóico, constituído pelas cascalheiras, margas, conglomerados, argilas, grés, areias e outros depósitos provenientes de arrastamentos. Há, todavia, que assinalar, como já referimos, o afloramento de algumas formações precâmbricas e paleozóicas, como é o caso do maciço rochoso de Abrantes e o do Tramagal, este também com intrusões graníticas bem evidenciadas. Na transição da zonas A e C para esta zona B são frequentes os chamados “terraços fluviais”, assentes nas encostas do Tejo e dos seus afluentes, em resultado das oscilações do seu curso e do seu leito ao longo do tempo. De entre as modificações mais antigas do curso merece destaque a verificada ao redor de Abrantes, onde o nível do rio, numa fase por alguns autores designada de pré-Tejo (⁷), terá atingido cotas da ordem dos 140 metros antes de romper pelo leito actual entre o Cabeço do Caneiro e o Outeiro da Forca.

𝘾 - 𝙕𝙤𝙣𝙖 𝙎𝙪𝙡 𝙙𝙤 𝙏𝙚𝙟𝙤. Esta é constituída na sua quase totalidade por formações de Cenozóico moderno, que cobrem o soco antigo. Por isso e porque se trata já de uma zona de características marcadamente alentejanas, o relevo é dominado por peneplanícies de baixa altitude, suavemente onduladas, e as pendentes apresentam valores pouco acentuados, sobretudo se comparadas com o Norte do Tejo, raramente ultrapassando os 5%. Mesmo tratando-se de uma zona muito superior em área, nenhuma marcação geodésica vai além dos 280 metros e só nos limites com Ponte de Sor, na extrema sudeste, se atingem cotas com alguma expressão. Os materiais de cobertura são constituídos indiscriminadamente por arenitos argilosos, areias e cascalheiras de planalto. São dignos de registo os afloramento graníticos e de rochas quartzo-dioríticas das proximidades de São Facundo, bem como alguns barreiros de formação miocénica com  aproveitamento industrial de longa data (no Vale das Mós e na Bemposta, por exemplo). A zona é toda ela sulcada por numerosos cursos de água, mais ainda que na zona A, notando-se ao longo dos maiores (rio Torto e ribeiras de Alcolobra, de Coalhos, do Fernando, do Carregal e da Lampreia) bons terraços, susceptíveis de ocupação humana (⁸).

(6) Lembramos ao leitor, eventualmente menos dado a esta terminologia metalinguística, que por Precâmbrico se entende o período de tempo geológico que vai desde a formação da Terra até à era Paleozóica, ou seja, até ao aparecimento da vida no nosso planeta, documentada a partir da existência de fósseis nos estratos rochosos. O seu âmbito cronológico pode situar-se entre há aproximadamente 4,5 biliões de anos e 570 milhões. Seguiu-se-lhe a era Paleozóica, que decorreu até há cerca de 225 milhões de anos.

(7) De facto, conforme muito bem salientaram Luís Raposo e A. Carlos Silva, “Nem sempre os leitos corresponderam aos de hoje; nem sempre os volumes de águas e sedimentos transportados foram os da actualidade; enfim, nem sempre a paisagem fluvial foi a dos nossos dias. E isso é particularmente notório no Tejo, que outrora desaguou mais a Sul (junto da Lagoa de Albufeira), teve diferentes limites da sua zona de estuário, escavou profundamente o seu leito, correndo por vezes várias dezenas de metros abaixo dos níveis actuais, espraiou-se por terrenos vastíssimos, até cerca de 100 metros acima do seu curso, etc., etc. Na alternância de fases de escavamento ou espraiamento, ao longo de milénios, se rasgaram, por exemplo, as Portas de Ródão e se constituíram grandes depósitos de areias e cascalheiras – os terraços fluviais. Aí se encontram os vestígios do Homem do Paleolítico, o mais antigo período da Pré-História.”(In “A ocupação humana do Paleolítico no Vale do Tejo, em Ródão”, Que Tejo, que futuro?, vol. II, Associação dos Amigos do Tejo, Lisboa, 1990: 11).

(8) Fontes: Além das citadas na nota 5, vide também COSTA (1984).
Aptidão dos Solos
No geral, os solos abrantinos são incipientes, não evolucionados, imaturos e sem horizontes bem diferenciados. Predominam no concelho os solos litólicos não húmicos e os solos mediterrânicos pardos. Na zona A, acompanhando o vale do Zêzere até à penetração na bacia do Tejo, encontram-se litossolos esqueléticos, com uma espessura efectiva inferior a 10 cm. São, portanto, solos de recursos edáficos geralmente muito limitados, com muito baixo fundo de fertilidade, pobres em matéria orgânica e com textura e espessura desfavoráveis. Somente 21 % dos solos têm uma capacidade de uso classificável entre “muito elevada” e “mediana”. São os aluviossolos, os coluviossolos e os solos hidromórficos. Nestes se incluem as várzeas de Alvega, do Pego, do Rossio ao Sul do Tejo, e em parte de S. Miguel do Rio Torto e Tramagal, na margem esquerda, e as de Alferrarede e Rio de Moinhos na margem direita, que representam apenas 2,2 % do concelho. Áreas depressionárias tradicionalmente sujeitas ao regime das cheias do rio, estes terrenos são, no entanto, de grande fertilidade e nas suas imediações se foi fixando o homem, desde longa data.



Recursos minerais
Relativamente ao subsolo, muito embora sejam visíveis em diversos pontos do concelho numerosos vestígios de “cortas” de exploração remota (localmente designadas “conheiras”), não é de forma alguma um concelho rico, mormente em recursos minerais metálicos. Existem, é certo, algumas jazidas registadas oficialmente (⁹), mas desconhece-se a relação com as antigas explorações, bem como o valor das reservas, que se supõe de valor diminuto.

Há, contudo, testemunhos antigos de importantes explorações de ouro, quer nas areias do Tejo, quer nas de alguns seus afluentes. Eis alguns:

- Plínio “o Velho” (século I): Tagus auriferis arenis celebratur.

- Diccionario Geographico, coligido pelo P.e Luiz Cardoso (1747): “(...) ao nome de Tubuci se seguiu o de Aurantes, pelo muito ouro que o Tejo deixava nas suas prayas e arêas, o qual com pouca corrupção se mudou no de Abrantes, que hoje tem“.

- Diccionario Geographico de Portugal (vulgo “Memórias Paroquiais” de 1758):



𝘼𝙗𝙧𝙖𝙣𝙩𝙚𝙨 - “Das areas do ditto rio Tejo em algum tempo se tirou oiro, que por isso o sobreditto Ravizio Textor, entre os muitos epitethos que dá a este famoso rio, são estes: Aurifer, aure dives aurifluus, auricolor, locuples, metallifer; e das doiradas areas deste opulento rio fallou Marcial, a quem sita o supraditto Ravizio xtor in dicto verbo Tagus: Fluvius Hispaniae, qui ramenta aurea fertur quandoque evoluisse. E do oiro que em algum tempo se achou nas areas deste rio mandou o senhor Rey Dom Deniz fabricar huma preciozissima coroa, e hum magestozo cetro. No tempo prezente não consta que aqui neste destrito sejão tiradas as suas areas.”

𝘼𝙡𝙫𝙚𝙜𝙖 - “Em tempos antigos dizem que das suas areyas [do Tejo] se tirara muito ouro, mas não de presente.”

𝙈𝙖𝙧𝙩𝙞𝙣𝙘𝙝𝙚𝙡 - “Tenho ouvido dizer que em algum tempo homens de fora da freguezia bandejavão as areas do dito rio [Zêzere]  e que alguma couza de ouro tiravão, mas no tempo presente não consta nem ha noticia que se fassa semelhante deligencia.”

𝙏𝙧𝙖𝙢𝙖𝙜𝙖𝙡 - “No dito ribeiro do Caldeirão (...) me consta que algumas vezes se tem visto homens, a que chamão gandaeiros, bandejando suas areas para o fim de tirarem dellas ouro.”

𝙎𝙩𝙖 𝙈𝙖𝙧𝙜𝙖𝙧𝙞𝙙𝙖 𝙙𝙖 𝘾𝙤𝙪𝙩𝙖𝙙𝙖 - “Consta que em algum tempo delle (Tejo) se tirava ouro das suas areas.”

𝙑𝙞𝙡𝙖 𝙙𝙚 𝙍𝙚𝙞 - “No tempo do estio o procuram [o Zêzere] varios homens das partes do Barrio, a quem uns chamam caboqueiros, outros gandaeiros. (...) Nas conheiras dos lugares da Lousa e Milreu houve nos tempos antigos minas de ouro ou prata, segundo há tradição, e se mostra pela muita pedraria que se revolveo pelos montes, vales e costas que estão de huma e outra banda do ribeiro da Lousa; mas tambem em muitas outras partes na ribeira do Codes, the esta se meter no rio Zezere, se mostram muitos vestígios de minas.”



(9)São as seguintes, por freguesias: Alvega, 6 de ouro e 4 de prata (todas no vau da Lezíria);  Mouriscas, 1 de cobre e 1 de chumbo; Pego, 1 de ouro (na foz da ribeira de Coalhos); S. Facundo, 2 de prata, 1 de ferro e 7 de chumbo; S. Miguel do Rio Torto, 1 de cobre e 2 de ferro; S. Vicente (Abrantes), 1 de prata, 2 de cobre e 11 de ferro; Souto (integrando as novas freguesias de Carvalhal e Fontes): 2 de ouro (no Carrapatoso e Vale da Roda), 22 de prata (em Atalaia, Brunheta, Carrapatoso, Carril, Cova, Fontes, Maxial, Vale da Roda, Vale de Tábuas e Vale de Zebro), 4 de cobre, 3 de chumbo, 1 de pirite e 5 de ferro.
Flora
A floresta era até há pouco tempo a principal unidade de ocupação agro-florestal do concelho, com cerca de 50% do coberto vegetal. O pinheiro bravo a Norte e o sobreiro a Sul encontraram aqui o seu “habitat” predilecto. Mas não faltaram outras espécies, comuns à generalidade do país, como no-lo comprova a rica herança toponímica do concelho, que inclui carvalhais, azinhais, carrascais, zambujais, maxiais, murtinhais, caniceiras, esteveiras, matagosas, soutos, tramagais, e outros mais.  

Hoje, porém, os sistemas florestais já não atingem 45 % da área reconhecida. Foram suplantados pelas culturas permanentes, que ultrapassam já os 45 %. Destas, é o olival que continua a dominar, largamente destacado, com cerca de 40 % da área global; mas tem-se assistido nos últimos tempos a um surto de novas plantações.  

Voltando à floresta, é na zona Norte que, pelo clima mais  húmido e pela qualidade dos terrenos, mais declivosos, se concentra a maior mancha. Esta é constituída tradicionalmente pelo pinheiro bravo (cerca de 10 %), mas tem vindo a ganhar progressiva expressão o eucalipto, que já ultrapassa os 12 % da área inventariada. Ao Sul do Tejo é o sobreiro que ainda domina, estimando-se a sua área em cerca de 20 000 hectares, correspondendo a mais de 25 % da área concelhia.  

No tocante à vegetação natural, por virtude da intervenção humana mais ou menos intensa, apenas assume hoje um carácter residual, de pouca relevância. Ainda assim, merecem referência, ao longo das principais linhas de água, espécies arbóreas e arbustivas, como o freixo, o amieiro, o choupo, o salgueiro; e, disseminados tanto pelo sub-bosque do pinheiro bravo como pelo área do montado de sobro, grande número de arbustos como o tojo, a urze, o carrasco, a carqueja, o rosmaninho, a esteva, a giesta, a murta, e tantas outras sub-arbustivas, gramíneas e herbáceas, que por não diferirem do comum do país nos abstemos de enumerar (¹⁰).

(10)E.G.F., PDM - Caracterização Física do Concelho de Abrantes, n.º 2, 1990, passim.
Fauna
A avaliar pelo inventário toponímico, tanto as espécies selvagens como as domésticas, assim como os répteis, aves e peixes, não diferem sensivelmente do comum desta região centro e mesmo do país. Não obstante isso, parece deduzir-se do testemunho dos párocos de meados do século XVIII que o concelho vivia muito pouco da criação de gado e não era rico em caça. Esta apenas surgia com algum significado nas freguesias do interior Norte, sobretudo Martinchel, onde ocorria “bastante caça de coelhos, lebres, perdizes, e de vez em quando alguns lobos”. Não deve menosprezar-se, todavia, alguma criação de galináceos, bem como de suínos, ovinos e caprinos.

Uma importante fonte de riqueza concelhia desses tempos parece ter sido, segundo a maioria dos redactores das “Memórias Paroquiais” de 1758, a fauna aquática. Com efeito, à excepção dos curas de Bemposta e S. Facundo, e em parte dos do Souto e S. Miguel do Rio Torto, todos os outros realçam a importância da pesca nos rios (Tejo ou Zêzere). Importa não esquecer, além disso, que o potamónimo Tejo significa piscoso, abundante em peixe.

A espécie geralmente posta à cabeça da respectiva lista é o barbo, que se pescava por todo o ano, logo seguido da boga, um peixe de arribação. Sável e lampreia eram pescados também no Tejo e Zêzere, em caneiros, mas apenas de Janeiro / Fevereiro a Maio / Junho. Salmão, muge, tainha e enguia eram também abundantes no Tejo e muito apreciados. Hoje na albufeira de Castelo do Bode predominam duas espécies exóticas, achigã e perca-sol, de introdução recente com vista à pesca desportiva de rio.  

Outros
No tocante à sismicidade, o concelho de Abrantes fica incluído na zona B do território nacional (= médio risco sísmico). A parte abrantina mais ao Sul do Tejo, designadamente as freguesias de São Facundo e Bemposta, encontra-se, no entanto, mais próxima da linha de maior risco; enquanto o Norte do concelho se aproxima já bastante da zona C, considerada a de menor risco.

Aspecto a ter sempre em conta num concelho que apresenta o Tejo por espinha dorsal, ao longo de 30 km, é o regime das cheias. As águas transbordantes do leito, se por um lado constituíam um excelente factor de fertilização e riqueza agrícola, produziam também efeitos nefastos, havendo notícias, ao longo dos tempos, de verdadeiras catástrofes. Cheias como as de 1550, 1739, 1855, 1876 e, mais recentemente, as de 1941 e 1979, ficaram famosas pelas devastações que causaram nos campos e povoações ribeirinhas (¹¹).

Contudo, estamos em crer que, apesar dos meios técnicos actuais que exercem um maior controlo do homem sobre a natureza, as cheias de antanho deveriam ser encaradas com mais resignação do que nos tempos modernos, mais como um “mal necessário” e providencial, porque as subsistências dependiam quase exclusivamente da Natureza.  

É, pois, muito provável que o fenómeno tenha desempenhado um importante papel na vida económica e social das populações que por aqui se foram fixando, desde os tempos mais remotos, com avanços e recuos, ocupações e abandonos, num contínuo fluir civilizacional.  

(11)Veja-se J. Candeias Silva, “Cheias do Tejo”, in Notícias de Abrantes, n.ºs 11, 15 e 18, de 22-12-1980, 30-1-1981 e 20-2-1981 (Quadro geral das principais cheias do Tejo), respectivamente. Para uma ideia mais completa sobre as áreas atingidas, cfr. FERNANDES (1968, fig. 19 e 101).

o paleolítico

o epipaleolítico / mesolítico

o neolítico

o calcolítico

idade do bronze

idade do ferro

época romana

da época visigótica à fundação da nacionalidade

o paleolítico
O Paleolítico Inferior ou Antigo foi o sub-período em que se fabricaram os utensílios líticos mais simples e elementares. Entre nós a cultura que melhor o caracteriza é a Acheulense, considerada “a primeira grande civilização até hoje conhecida e individualizada em todo o nosso território”(12), que consiste basicamente no fabrico de artefactos de pedra, obtidos a partir de núcleos de sílex, quartzitos ou seixos rolados, trabalhados por percussão. Estes instrumentos apresentam formas bastante variadas, sendo as principais o biface (também chamado coup de poing - peça talhada de dois lados, geralmente apontada) e o “machado” (ou hachereau, também talhada de ambos os lados, mas de gume transversal), havendo ainda os unifaces, os raspadores, as pontas, as lascas retocadas e os simples calhaus truncados / seixos talhados.

Por ter sido um sub-período incomparavelmente maior que os outros e os instrumentos serem de técnica muito rudimentar, portanto depressa abandonados e esquecidos, a frequência deste tipo de materiais nos terraços taganos tem-se revelado sobremaneira elevada. Foi seu artífice uma espécie de hominídeo (homem fóssil antigo ou pré-sapiens), genericamente designada por Pithecanthropus, Archanthropus, ou ainda Homo erectus. Proveniente da Europa central e/ou do Norte de África, ele terá progredido ao longo de dezenas, centenas de milénios, pelo litoral mediterrânico até à costa hoje portuguesa, evoluindo depois pelas bacias de alguns rios e principalmente do Tejo. Samouco (Montijo), Cabeço da Mina (Muge), Casalinho e Vale do Forno (Alpiarça), Vale da Fonte (Belver), Monte do Famaco (Vila Velha de Ródão), são algumas das muitas “estações” bem identificadas desta fase de ocupação (¹³).

Sensivelmente a partir da interglaciação de Riss-Würm, há uns 80-150 mil anos, seguiu-se o Paleolítico Médio, que se caracteriza por uma ainda mal definida amálgama de “indústrias mustierenses” ou aparentadas, em que foi utilizada a chamada técnica “levallois”, considerada revolucionária para o seu tempo. Correspondeu-lhe um novo estereótipo, a que André Leroi-Gourhan chamou “paleantropiano” e a que outros chamam, ao que parece com menor propriedade, “neanderthalense”, já que nem todo o Mustierense foi obra do Homem de Neanderthal. A bacia do Tejo continuou neste sub-período a ser um importante horizonte de ocupação, de que são bom exemplo as jazidas de Vilas Ruivas e Foz do Enxarrique (Ródão) e, mais perto de nós, as da bacia do Nabão, sub-afluente do Tejo.

O Paleolítico Superior ou Recente é ainda muito mal conhecido no nosso país, pelo que se tem recorrido para a caracterização das indústrias às sistematizações estrangeiras, mormente francesas, mau grado as distâncias e presumíveis diversidades regionais. Segundo o arqueólogo Luís Raposo, ao nível do trabalho da pedra, existe neste último período do Paleolítico “um pano de fundo muito amplo, que dá corpo ao que Leroi-Gourhan designa por ‘estereotipo neantropiano’ e se traduz pela utilização de novas técnicas de talhe (por pressão, com as peças previamente aquecidas, etc.) e pelo desenvolvimento particular da técnica levallois, conduzida para a fabricação de núcleos especiais (laminares), de onde se extraem lascas  também  especiais (lâminas) que depois são trabalhadas secundariamente, dando origem a uma infinidade de instrumentos: raspadeiras, buris, furadores, pontas, lâminas diversas, ‘folhas de loureiro’, denticulados, triângulos, trapézios, etc... num total de noventa e dois tipos, segundo uma lista estabelecida em França por Sonneville-Bordes.” (RAPOSO, 1983: 48). A esse avançado processo, que tem nas lâminas a base material do fabrico de instrumentos, se convencionou chamar “processo de leptolização”.  

A primeira indústria leptolítica a definir-se em Portugal com alguma precisão, se bem que até ao presente não se tenha verificado nos terraços do Tejo, é o Aurignacense. Porém, a que melhor se conhece é o Solutrense, bem representada no Olival do Arneiro (Rio Maior) e, mais recentemente, na gruta do Caldeirão (Tomar). Em todo o vale do Tejo apenas um sítio se encontra referenciado como caracterizadamente atribuível ao Paleolítico Superior: Vilas Ruivas (Ródão), onde foi identificado um conjunto lítico em sílex de tipo “magdalenense”.

Julga-se, no entanto, que parte das chamadas “séries languedocenses”, que se registam em diversos pontos da bacia do Tejo, possam ser consideradas como pertencentes a este período, senão mesmo mais tardias (pós-paleolíticas). De acordo com Luís RAPOSO (1983: 54, e 1987: 16), estas últimas indústrias, de carácter aparentemente arcaizante, poderão constituir elementos residuais de um padrão de ocupação do território relativamente vasto, baseado num amplo espectro de recursos, de sazonalidades bem marcadas, e, nesta óptica, poderiam ser equivalentes funcionais a dois complexos macrolíticos: um do litoral-Sul, o Mirense, o outro do litoral-Norte, o “Ancorense” (fase antiga do Asturiense), indústrias “cacléticas” epipaleolíticas. Contudo, apesar de alguns avanços recentes e designadamente no concelho de Abrantes (Vide Amoreira, Rio de Moinhos), a controvérsia em torno do Languedocense mantém-se, devendo aguardar-se novos desenvolvimentos.  

Sobre este tema, mais recentemente um dos autores (BATISTA, 2004: 136 e sgs.), ao analisar esta questão, aponta para uma dilatação cronológica da utilização deste tipo de indústria em contexto Calcolítico (recentemente comprovado nas escavações do povoado de Santa Margarida). Ao ter presente todo um conjunto de factores comuns, evidencia a probabilidade da existência de uma identidade cultural própria, razão de as denominar de Cultura Tagana. Estende, assim, essa interpretação para além de uma indústria lítica macrolítica de características morfo-tipológicas próprias, a que se convencionou chamar de “languedocense”, embora se tenda a adoptar em vez dessa nomenclatura a de “indústria macrolítica”.

(12) Cf. RAPOSO (1983: 61). A denominação de Acheulense filia-se no nome da estação-tipo de Saint-Acheul, perto de Amiens, em França. Durante muito tempo foi considerado o Abevilense (de Abbeville, no Norte de França) o estádio mais antigo do Paleolítico Inferior da Europa ocidental, mas presentemente tende a ser considerado como a fase mais arcaica do Acheulense.

(13) Cf., entre outros, VEIGA FERREIRA e LEITÃO (1981: 51-64), CARDOSO e CARVALHO (1987) e RAPOSO (1987: 11-16).
O epipaleolítico / mesolítico
A transição da idade velha da pedra (paleolítico) para a nova operou-se através de um ainda mal delimitado período a que se deu a designação de Epipaleolítico (entre cerca de 9 000 / 8 000 e 6 000 a. C.), complementado numa fase evolutiva mais avançada por um outro, o Mesolítico, que se terá prolongado até cerca de 4 000, ou mesmo mais tarde (3 500 a. C.). Genericamente denominam-se por “comunidades epipaleolíticas” aquelas que conseguiram adaptar-se às profundas alterações ecológicas ocorridas com o final da última glaciação (Würm) e cujas indústrias manifestam sobrevivências das do Paleolítico Superior. Entre nós será o caso, muito provavelmente, daquele complexo macrolítico  que vem sendo integrado numa categoria de definição cronológica paradoxalmente algo anacrónica, a que se convencionou apelidar de “Languedocense”. Por “mesolíticas” designam-se aquelas comunidades que, por aculturação ou evolução interna, atingiram a “neolitização”. Estas encontram-se bem representadas na bacia do Baixo Tejo pelos chamados “concheiros”. A estação mesolítica até agora melhor estudada e considerada mesmo a mais antiga da Península Ibérica em vestígios de habitat é a da Moita do Sebastião (Muge), onde viveu um tipo de homem, descendente dos grupos do Paleolítico Superior europeu (tipo Cro-Magnon), anatomicamente já muito semelhante ao português actual: o seu povoado-necrópole foi datado pelo Carbono 14 de 5400 a 5130 a.C. aproximadamente. Cabeço da Arruda, outra jazida muito próxima, forneceu datas entre 4480 e 3200 a.C. (¹⁴)

Esta é uma interpretação convencional ou consensual. Mas, uma vez mais, remetemos o leitor para BATISTA, 2004: 136 e sgs., dado ser necessário ter presente todo um processo de neolitização da área.



(14) Cf., entre outros, SOARES (1983: 63-71) e ARNAUD (1987: 17-21).
o neolítico
Seguiu-se o Neolítico, ou “nova idade da pedra”, período que ficou assinalado por alguns  avanços  civilizacionais importantes, tais como o fabrico de instrumentos de pedra polida, a introdução da tecnologia cerâmica e da economia de produção de alimentos (agricultura e criação de gado), tão importantes que alguns historiadores, como Gordon Childe, chegaram a utilizar a expressão “Revolução neolítica” para traduzir esse conjunto de transformações. A dita revolução, no entanto, - se a chegou a haver verdadeiramente no mundo ocidental - não se tem revelado tão característica da Península Ibérica como de outras regiões do Mediterrâneo Oriental. Até ao presente são ainda relativamente escassos os vestígios de ocupação surgidos na bacia do Tejo atribuíveis a essas primeiras comunidades de pastores e agricultores. Por via disso as datações para os diversos sub-períodos do Neolítico não são ainda muito seguras, podendo, no entanto, delinear-se, de acordo com os dados conhecidos, as seguintes: Neolítico Antigo, da primeira metade ou meados do V milénio aos inícios do IV milénio a.C.; o Médio, de cerca de 3800 a 3200 a.C.; o Recente, de cerca de 3200 - 2700; e o Final de cerca de 2700 a 2500 a.C..

o calcolítico
O Calcolítico, também conhecido entre nós pelas designações de Cuprolítico ou Idade do Cobre e Eneolítico, ou ainda à maneira de alguns autores espanhóis Bronze Antigo, representa genericamente um período de transição da Idade da Pedra Polida para a Idade do Bronze e pode ser considerado como que o crepúsculo da Pré-História. Vários fenómenos culturais correlacionados integram o quadro temporal a que se convencionou chamar Calcolítico: as primeiras formas de metalurgia ligadas ao trabalho do cobre, que provocaram inovações no domínio do armamento e na arquitectura “militar”; o apogeu do “megalitismo”; a renovação do simbolismo mágico-religioso e das formas de expressão artística; a crescente hierarquização social e a produção de objectos de prestígio, como por exemplo o chamado “vaso campaniforme” (este já numa fase tardia). E a  bacia do Tejo, com toda a região de Abrantes incluída, voltou a desempenhar um papel de grande relevo como factor de fixação de comunidades humanas, agora também como estrada navegável e de fácil ligação comercial entre o mar e o interior, onde se passou a procurar o metal.

Deste período ressalta o importantíssimo povoado fortificado de Vila Nova de São Pedro (Azambuja), mas não podemos esquecer pequenos povoados, como Pedra do Ouro (Alenquer), Cabeço da Bruxa (Alpiarça), Castelo Velho do Caratão (Mação) e Constância, este ainda pouco conhecido. Como não podemos esquecer um numeroso conjunto de monumentos funerários de tipo dolménico, principalmente a montante da foz do Rio Frio (no limite das Mouriscas), e muito menos essa tão celebrada “arte rupestre esquemática do Vale do Tejo”, que já foi considerada no seu conjunto (antes do “fenómeno Foz-Coa”) o maior santuário ibérico e um dos mais importantes ciclos da arte pré-histórica europeia (¹⁵).

Quanto a cronologias e subdivisões, se bem que alguns autores façam remontar o Calcolítico português aos primórdios do III milénio a.C., aceitam-se genericamente as seguintes: Calcolítico Antigo (ou inicial), de cerca 2500-2300 a.C.; Pleno, de cerca 2300-2000 a.C.; e Recente ou horizonte da cerâmica campaniforme, de cerca 2000 a 1700/1500 a.C. (seg. TAVARES DA SILVA, 1983).

(15) Nota de revisão: Para um panorama minimamente actualizado, no tocante ao concelho de Mação, cf. OOSTERBEEK e CURA (2005).
idade do bronze
E chega-se, assim, aos alvores da Proto-História. Por volta de 1800 a.C. entrava-se na Idade do Bronze, um período que conheceu diferentes cambiantes, de que se realça nesta região e a Norte dela o chamado “Bronze Atlântico”, e de que alguns arqueólogos pretendem individualizar uma área regional eventualmente designável por “Bronze Lusitânico”. Este ocorreu no contexto do Bronze Final ibérico, sensivelmente entre 1250 e 700 a.C., e caracterizou-se sobretudo pelo emprego de machados de talão de duplo anel (os palstaves) e de outros tipos de instrumentos de bronze, como machados de aletas, foices, espadas, pontas de lança e objectos de adorno.

Com o final do Bronze, a partir do século VI a. C. ou talvez um pouco antes, começaram a chegar ao território hoje português vagas sucessivas de Indo-europeus, portadores do Ferro. No ensino básico tradicional afirmava-se de uma forma simplista que aqui viviam antes os Iberos, que depois vieram os Celtas e “deram” por  cruzamentos os Celtiberos, que por sua vez “deram” os Lusitanos. Não é uma interpretação arqueológica e linguisticamente correcta. Com o novo quadro resultante das invasões indo-europeias, a Península ficou dividida em duas grandes áreas etno-linguísticas, que se excluíam mutuamente: uma que abarcava a faixa oriental e mediterrânica desde os Pirinéus até ao Baixo Alentejo e Algarve, em que se falavam línguas não indo-europeias (entre elas o ibérico); a outra que abrangia o resto e falava línguas indo-europeias, entre as quais o celta e o lusitano.

Os Celtas só terão chegado provavelmente pelos princípios do século V a. C. e ter-se-ão fixado no Alentejo, enquanto os Lusitanos viviam já então entre o Tejo e o Douro formando uma comunidade linguística própria, que não era celta mas pré-celta (ou para-celta ?, todavia distinta). Crê-se, acerca dos primeiros Lusis, cujas primeiras referências vêm do século VI a. C., que tenham resultado de uma complexa miscigenação de populações indígenas do Bronze Final com invasores das primeiras vagas indo-europeias; isto sem  embargo de se terem verificado posteriormente muitas influências culturais dos Celtas sobre os Lusitanos. Essa “celtização” é particularmente visível na teonímia, na onomástica pessoal e étnica, documentada pela epigrafia, e ainda noutras manifestações de cultura material como sejam as necrópoles da estação-tipo de Alpiarça. Quanto aos Celtiberos esses constituíam um grupo autónomo, sediado numa vasta região do interior Norte centrada nas nascentes do Douro, com Numância por capital.
idade do ferro
Na Idade do Ferro europeia costumam os arqueólogos distinguir duas fases: uma mais antiga, entre cerca de 750 e 450 a.C., chamada “1.ª Idade do Ferro” ou “cultura de Hallstatt” (nome derivado da estação-tipo, localizada nos Alpes austríacos); a outra, mais recente, dos meados do séc. V a.C. à conquista romana, “2.ª Idade do Ferro” ou “Cultura de La Téne” (do nome da estação suíça epónima). Os Celtas peninsulares tendem hoje a ser identificados com os invasores hallstátticos mais recentes, embora haja ainda quem os identifique também com a cultura de La Téne. Entretanto pelo Sul, por mar, vinham chegando povos do Mediterrâneo Oriental já conhecedores da escrita, mormente Fenícios e Gregos. Há testemunhos arqueológicos dessas influências “orientais” sobre a bacia do Tejo, designadamente na alcáçova de Santarém, onde escavações recentes puseram a descoberto espólio cerâmico fenicio-púnico de várias épocas.

As lutas pela supremacia (e pela sobrevivência) entre as várias comunidades da Península, incentivadas primeiro pelos Cartagineses e mais tarde pelos Romanos, interessados em dividir para reinar, contribuíram grandemente para a fortificação de povoados no cimo de certos montes estratégicos. Foi a chamada “cultura castreja”, mais característica do Noroeste. Nos arredores de Abrantes apenas um “castro” se encontra medianamente estudado – o de S. Miguel da Amêndoa; contudo, é óbvio que havia vários oppida a assegurar a defesa da linha do médio Tejo, desde Scallabis (Santarém) e Moron (Chões de Alpompé-Vale de Figueira?) até Aritium (Abrantes?), ópido este a que os romanos mais tarde terão acrescentado o qualificativo Vetus (“velho”), talvez para o distinguir de outro Aritium próximo (Praetorium).
época romana
A “romanização” do Vale do Tejo começou no século II a.C., com Moron a desempenhar um importante papel (¹⁶); intensificou-se no século I d.C. e prolongou-se até ao início do V d.C.. Toda a região em que se insere hoje o concelho de Abrantes sofreu então profundas transformações, sobretudo ao nível económico e cultural. Uma vasta rede de villae e de pequenos vicci ou simplesmente casais devem ter florescido em ambas as margens do rio, em sítios bem seleccionados para a prática agrícola. O comércio, a indústria, a exploração mineira, foram outras actividades desenvolvidas. Rasgaram-se vias, principais e secundárias, em diversas direcções ou se decalcaram sobre as antigas; organizou-se o aparelho administrativo, judicial e militar; e Aritium Vetus terá passado a ser, nesta região tagana, muito provavelmente, uma civitas, capital de um vasto território.

Onde se localizava? Como ficariam definidos os seus limites? Qual a sua verdadeira dimensão? Não sabemos ao certo, porque os dados disponíveis são ainda muito inseguros. Tem-se apontado Alvega, como hipótese mais provável, conforme adiante analisaremos. Mas... Abrantes tem vindo ultimamente a capitalizar alguns trunfos a seu favor. Quanto aos limites da civitas (se o era), poder-se-á conjecturar que, partindo do Tejo (junto a Punhete / Constância), corressem do Zêzere ao Ocreza, limitando a Norte grosso modo pela Isna e pela serra do Muradal, prosseguindo a Sul sensivelmente pelas extremas dos concelhos de Gavião, Abrantes e Constância. A ser assim, confrontar-se-ia a Nordeste com o território de Conimbriga e com a civitas dos Tapori ou Igaeditani (?), a Noroeste com a de Sellium, pela fronteira natural que o Zêzere constitui, a Sul com a de Scallabis e a Este com Abelterium e Ammaia (¹⁷).

A desempenhar a importante função de capital do conventus estava Scallabis (sede em Santarém), abarcando essa circunscrição administrativa, provavelmente, o vasto território “estremenho” que mediava do Douro (Extrema Durii) até um pouco abaixo da linha ou das arribas do Tejo (¹⁸). E desse modo, poder-se-á dizer que a Abrantes luso-romana se assumia já, adentro da circunscrição escalabitana, quase como uma espécie de charneira face aos dois outros conventi, o emeritense e o pacense.

(16) Sobre Moron (ilha ou região à frente de Chões de Alpompé), cf. A. Dias DIOGO, Clio, 4, 1982: 147-154). Segundo Estrabão, foi por ali que o cônsul Décimo Júnio Bruto estabeleceu, as suas bases de operações militares com vista à submissão definitiva dos Lusitanos, de 138 a. C. em diante. Na margem sul do Tejo, em Alpiarça, foi também estabelecido pela mesma altura um acampamento legionário que teria uns 30 hectares e pode ter alojado uns seis mil soldados. Segundo os autores desta recente descoberta (Philine Kalb e Martin Hock, em comunicação ao IV Congresso Nacional dos Monumentos Militares Portugueses, 1987), este acampamento seria, todavia, mais usado como base para descanso e abastecimento das tropas romanas e para estacionarem de Inverno. Dada a relativa proximidade com o território hoje abrantino e a ausência de grandes barreiras naturais, especialmente a Sul do Tejo, é muito provável que este cedo tivesse sido incorporado na Lusitânia romana.

(17) Cf., entre outros, ALARCÃO (1990: 367). Nota de revisão/actualização (2007): Sobre esta matéria, ainda vide Carlos BATATA (2002) e Jorge de ALARCÃO (2004: 194-197 -- «Aritium Vetus era capital de civitas?»).

(18) Vasco Mantas, ao procurar definir o limite oriental do Convento Escalabitano, aproximou-o do que então seriam os confins orientais da civitas de Aritium Vetus (1990: 231). Ver também MANTAS, 2002: 107.
da época visigótica à fundação da nacionalidade
Mas a crise profunda que o Império Romano atravessou pelos finais do século IV d.C. não teve a solução conveniente e determinou a invasão da Península pelos chamados povos “Bárbaros” a partir de 409 d.C.. Destes o que mais nos interessa é o dos Visigodos, que também por aqui se instalaram na segunda metade do século V d.C. e deixaram as suas marcas, embora já sem a pujança e o brilhantismo civilizacional dos romanos, como adiante teremos oportunidade de melhor analisar.

Por volta de 711 todo o território hoje português havia passado ao domínio Muçulmano (os Mouros da tradição popular). Todavia, apesar desse domínio ter sido total e não-violento, estranhamente, poucos testemunhos arqueológicos restam desse período nesta região central. Até há poucos anos, somente Idanha-a-Velha, a Norte, e Santarém, a Sul, guardavam insofismáveis recordações dessa dominação, que em Santarém durou até 1147 (data da conquista por D. Afonso Henriques). Felizmente que nos últimos tempos algo tem vindo a mudar no quadro da investigação histórico-arqueológico regional; e hoje já não podem restar dúvidas de que o território do actual concelho de Abrantes tenha feito parte integrante desse vasto mundo islâmico ao longo de cerca de quatro séculos (?).

Se bem que o conceito de Arqueologia possa abranger o estudo de tudo o que é antigo e modernamente esse estudo tenda a ser aplicado a domínios cada vez mais amplos, como por exemplo a Arqueologia Industrial, procuraremos não ultrapassar aqui o limiar da Alta Idade Média, aliás como é ainda corrente em trabalhos deste género, na acepção restrita de Arqueologia Clássica.

Por aqui nos detemos, pois.

Resta-nos partir agora à descoberta de Abrantes e seu concelho, seguindo pela ordem alfabética cada uma das suas 19 freguesias.

Critério gerais

Critérios especificos para a indústria litica

Critérios especificos sobre as técnicas de talhe em pesos de rede

Critérios sobre cerâmicas

Principais siglas e abreviaturas

Cronologia da evolução civilacional

Criterios gerais
Vai o inventário ordenado por freguesias, alfabeticamente, surgindo as estações ou arqueossítios dentro de cada freguesia, arrumados por ordem alfa-numérica. Os desenhos, salvo indicação em contrário, são da autoria e responsabilidade de Álvaro Batista. Na segunda parte desta obra os desenhos são da responsabilidade de Álvaro Batista e Filomena Gaspar. As fotos, são de proveniências diversas, a maioria do Gabinete de Arqueologia ou do Museu D. Lopo de Almeida.
As Fichas:
Os descritivos assentarão num critério uniforme, pelo que se apresentará uma ficha descritiva com diversos itens que serão utilizadas ao longo da obra e por cada estação. Em alguns casos serão suprimidos alguns itens. Esta circunstância deve-se à ausência de informação, ou por não se achar pertinente o seu registo.
Item 1
𝙄𝙙𝙚𝙣𝙩𝙞𝙛𝙞𝙘𝙖𝙘̧𝙖̃𝙤: Neste primeiro ponto surge inicialmente um número correspondente a cada estação e que a diferencia das demais. Segue-se o microtopónimo atribuído à estação, que pode dispor de variada numeração romana, consoante as várias estações localizadas na mesma área. Virá de seguida, entre parênteses, o nome da localidade mais próxima, se tal se justificar, para uma mais correcta identificação do local onde foram detectados os vestígios arqueológicos. Exemplo: 15 - Vale dos Besteiros / Vale da Vila (Casais de Revelhos); ou seja, a estação 15 localiza-se no sítio Vale de Besteiros ou Vale da Vila, próximo da aldeia de Casais de Revelhos.


Item 2
𝙇𝙤𝙘𝙖𝙡𝙞𝙯𝙖𝙘̧𝙖̃𝙤: Neste item apresentam-se as coordenadas de Gauss extraídas das Cartas Militares à escala de 1: 25 000, seguindo-se o número da carta e respectivo ano entre parenteses. Depois deste vem uma breve descrição onde o local se implanta, e algum dado histórico referente ao sítio.


Item 3
𝙂𝙚𝙤𝙡𝙤𝙜𝙞𝙖: Neste se regista o ambiente geológico, extraído das Cartas Geológicas de Portugal, escalas de 1: 50 000, folhas 27 D, 28 C, 31 B e 32 A, respectivamente de 1977, 1983, 1976 e 1980.


Item 4
𝙀𝙨𝙥𝙤́𝙡𝙞𝙤: Aqui se transcreve o diverso espólio recolhido, ou de que eventualmente tivemos noticia. Quando a estação tiver sofrido intervenção em termos de escavação arqueológica, ela será tratada com maior desenvolvimento na base do relatório da escavação.


Item 5
𝘾𝙡𝙖𝙨𝙨𝙞𝙛𝙞𝙘𝙖𝙘̧𝙖̃𝙤: Neste se apresenta a proposta do tipo de ocupação humana da estação arqueológica. Para este efeito se tem em conta a alínea anterior, a dimensão da estação, e por vezes das referências bibliográficas.


Item 6
𝘾𝙧𝙤𝙣𝙤𝙡𝙤𝙜𝙞𝙖: Apresenta-se aqui uma proposta de cronologia relativa, baseada no espólio. Em qualquer dos casos, este item e os dois anteriores poderão sofrer alterações futuras, nomeadamente com a existência de novos achados superficiais ou intervenções de escavação. Todavia, esta é a nossa proposta actual.


Item 7
𝘽𝙞𝙗𝙡𝙞𝙤𝙜𝙧𝙖𝙛𝙞𝙖: Sempre que exista qualquer referência bibliográfica à estação em causa, ser-lhe-á feita referência. Na ausência deste item, tal significa que a estação se encontrava inédita. Todavia, dever-se-á ter em atenção o recente trabalho de um dos autores (BATISTA, 2004), dado este fazer referência a algumas das estações aqui assinaladas.


Item 8
𝙉𝙤𝙩𝙖(𝙨): Neste item, se necessário, serão feitas observações que se achem pertinentes a respeito da estação. Por vezes, após as Notas, ainda ocorrem sínteses interpretativas, que se introduzirão sempre que a importância dos vestígios de determinada estação, área ou freguesia assim o justifiquem.
Critérios especificos para a indústria lítica
O diverso tipo de espólio lítico estudado, no contexto do tipo de estações em que ele vem inserido, contém um conjunto de caracteres gerais que, em nosso entender, nos permitem definir com clareza alguns agrupamentos sistémicos. É inegável que sofremos ainda influências da metodologia tradicionalmente utilizada, apoiada no aspecto físico das peças, a qual, ao que parece, se encontra actualmente em vias de reformulação ou mesmo a cair em desuso (ALARCÃO, 1990: 39 e segs.), nesta se incluindo a aplicada às jazidas já conhecidas do concelho de Abrantes (HORTA PEREIRA, 1971); e isto em favor de critérios sedimentológicos, morfológicos, dado que o aspecto físico das peças se deve a factores físico-químicos pós-deposicionais e não a factores cronológicos (GRIMALDI e alii, 1997: 145-226). Por outro lado, “os pressupostos que levaram à classificação das antigas praias elevadas e dos principais terraços fluviais com base numa interpretação eustática e altimétrica rígida dos fenómenos geológicos do Quaternário – afirma RIBEIRO, 1990: 14-74 – revelaram-se inadequados e incompatíveis com a importância actualmente reconhecida à isostasia e à neotectónica. Em contrapartida, cresceu o interesse das análises sedimentológicas e paleopedológicas dos vários depósitos com interesse arqueológico, cada vez mais consideradas imprescindíveis para a criação de um quadro crono-estratigráfico alternativo”. O certo é que esta metodologia tradicional não difere substancialmente de outras mais recentes aplicadas em concelhos nossos vizinhos; e, além do mais, é nossa pretensão oferecer uma “leitura” mais de carácter geral, de fundo didáctico e globalizante, digamos mesmo que probabilístico. Todavia, não se deve daqui inferir que haja dúvidas quanto à existência de Paleolítico no Concelho. Os achados assim o testemunham e a presença de um Paleolítico inferior e médio é indiscutível. A classificação tipológica que propomos é constituída por seis grupos ou séries, que vão do Abbevillense ao Languedocense/ Mesolítico, englobando este último já indústrias macrolíticas que apontam pelas suas características morfo-tipológicas contextos seguramente holocénicos. Assentámos, assim, na seguinte classificação:

Série I
𝘼𝙗𝙗𝙚𝙫𝙞𝙡𝙡𝙚𝙣𝙨𝙚: (Paleolítico Inferior/ interglaciar Gunz-Mindel): Corresponderá a uma indústria com aspecto muito rolado e muito eolisado, com brilho de porcelana (= HORTA PEREIRA, 1971). É de notar, no entanto e desde já, que nas nossas pesquisas não encontrámos espólio que aponte para este período. Indústria: Lascas, núcleos.


Série II
𝘼𝙘𝙝𝙚𝙪𝙡𝙚𝙣𝙨𝙚 𝙄𝙣𝙛𝙚𝙧𝙞𝙤𝙧: (Paleolítico Inferior/ Mindel):  Neste grupo se incluirá a indústria que apresente um rolamento intenso e forte pátina eólica, com um tom baço de areia. As arestas deverão ser muito mal definidas, quase ausentes. Indústria: Bifaces, unifaces, raspadores laterais, calhaus truncados.


Série III
𝘼𝙘𝙝𝙚𝙪𝙡𝙚𝙣𝙨𝙚 𝙈𝙚́𝙙𝙞𝙤: (Paleolítico inferior/ interglaciar Mindel-Riss):  A este grupo deverá corresponder indústria com pátina eólica acentuada, denotando longa exposição. As arestas serão, no entanto, já bem visíveis. Indústria: Bifaces, unifaces, raspadores laterais, calhaus truncados, raspadeiras, lâminas, lascas, calotes de seixo.


Série IV
𝘼𝙘𝙝𝙚𝙪𝙡𝙚𝙣𝙨𝙚 𝙎𝙪𝙥𝙚𝙧𝙞𝙤𝙧: (Paleolítico Inferior/ Riss e Paleolítico Médio/ interglaciar Riss-Wurm):  Serão características desta série as arestas vivas com ténue pátina eólica, ou ligeiramente acentuada nalguns casos. Indústria: Bifaces, unifaces, raspadores laterais, calhaus truncados, lascas, calotes de seixo, pontas, machadinhas.


Série V
𝘼𝙘𝙝𝙚𝙪𝙡𝙚𝙣𝙨𝙚 𝙁𝙞𝙣𝙖𝙡: (do Paleolítico Médio/ interglaciar Riss-Wurm e Wurm I e II, incluindo Levalloisense, Mustierense):  Predominarão nesta fase as arestas vivas e sem pátina. Contudo, há que assinalar, por vezes, ténues vestígios de pátina, o que denota longa exposição. Importa, porém, ficarmos de sobreaviso para o problema da inserção da indústria num período qualquer, com base apenas na análise da pátina e no índice de rolamento das peças. Indústrias: - Mustierense: núcleos discoídes. Levalloiso – mustierenses: raspadores nucleiformes sobre seixo, pontas e lascas triangulares.


Série VI
𝙇𝙖𝙣𝙜𝙪𝙚𝙙𝙤𝙘𝙚𝙣𝙨𝙚/ 𝙈𝙚𝙨𝙤𝙡𝙞́𝙩𝙞𝙘𝙤: Em virtude da controvérsia gerada em torno desta matéria (vide p. ex. RAPOSO, 1986; OSTERBEEK e CRUZ, 1993 e 1997a) e tomando por referência cronológica o povoado da Amoreira (Rio de Moinhos), cuja camada C forneceu uma datação de Carbono 14 (sobre carvões) do VI-VII milénio a.C., optámos por considerar a indústria macrolítica a que se convencionou chamar “Languedocense” como uma espécie de “Epipaleolítico / Mesolítico de feição local” (o que não invalida a sua inclusão em períodos seguintes), sendo definida pelas seguintes indústrias líticas quartzíticas: discos, raspadores laterais e forma de D, picos, hachereaux, lascas e calhaus truncados de talhe uni e bifacial, pesos de rede (TS e TSO) (¹⁹). Por outro lado, incidindo o nosso estudo em recolhas de superfície e dispondo este tipo de estações, na maioria dos casos, de espólio Neo-Calcolítico, por via da complexidade cronológica verificada e a termos de atribuir uma classificação, assentámos no critério de, em caso de dúvida, aplicar a designação de “Languedocense ou Neo-Calcolítico, com indústria lítica de tradição Languedocense”. Pensamos, desta forma, resolver a indefinição de se saber o que pertence a um ou outro período, ou a ambos simultaneamente. Perante os dados actuais (BATISTA, 2004: 136 e sgs.), é não só um critério aceitável mas credível face á sua presença em contextos claramente calcolíticos. Voltamos, no entanto, a sublinhar que, sendo o presente trabalho mais uma inventariação de estações do que um estudo aprofundado e minucioso de indústrias, por serem sobretudo estações e materiais de superfície, não nos preocupou tanto o seu carácter técnico, que requer uma maior especialização científica. Deste modo, para a indústria lítica, quartzítica e de sílex, optou-se sempre por referir a utensilagem mais significativa das recolhas, mas que permite uma visão global ocupacional da estação em termos cronológicos relativos. No caso do espólio Paleolítico, optou-se principalmente e na sua generalidade por classificá-lo em termos morfológicos, sem cair em grandes aspectos técnico-descritivos.

(19)Sobre este assunto, parece-nos oportuno deixar registado um importante testemunho de Susana Oliveira Jorge, 1990: 79-80: “(...) Recentemente e na esteira de um longo debate sobre a denominação, cronologia e classificação funcional / cultural de tais indústrias macrolíticas, L. Raposo e A. C. Silva integraram-nas no chamado “Complexo languedocense”, o qual situam no Epipaleolítico (com algumas perdurações até uma época que os autores não definem com precisão). O “languedocense” é assim considerado como uma indústria basicamente epipaleolítica, onde é possível isolar uma lista de tipos morfológicos, entre os quais cabe destacar seixos afeiçoados, picos, “hachereaux”, discos, e, entre outros utensílios sobre lasca, raspadores, raspadeiras, buris, furadores, etc. A indústria languedocense integra ainda os chamados pesos de rede, núcleos e percutores. Esta problemática, sendo polémica, conta assim com uma posição recente de dois investigadores portugueses especialistas na época em causa.”
Critérios especificos sobre as técnicas de talhe em pesos de rede
Pesos de rede são pequenos seixos achatadoPesos de rede são pequenos seixos achatados de xisto ou quartzíte, os quais usualmente dispõem de dois entalhes laterais, ou seja sobre o seu eixo transversal, normalmente com a forma de oito. Nalguns casos esses entalhes podem situar-se sobre o seu eixo longitudinal. Serviam, para ser utilizados em redes de pesca. Por outro a sua recolha em povoados de altura, longe dos recursos alimentares fluviais, podem apontar para a sua utilização como possíveis pesos de tear.

Não querendo entrar em questões de funcionalidade, parece-nos todavia que estes não podem ser isolados do restante conjunto artefactual recolhido e necessário ainda será de ter em conta a localização geográfica das respectivas estações, face ao território em que esta está inserida. Assim tendo em atenção o território, a implantação das estações arqueológicas concelhias e o diverso espólio nelas recolhido estaremos perante pesos de rede e não de tear.  A diversidade de técnicas de talhe observadas nos pesos de rede permite individualizar quatro tipos, dois dos quais de certo modo já mencionados por Afonso do PAÇO (in “Pesos de rede e chumbeiras”, 1970: 56):



1. Técnica de talhe simples (TS), em que ambos os levantamentos de lascas estão voltados para a mesma face do seixo; apresenta uma secção transversal sub-trapezoidal.  

2. Técnica de talhe simples-oposto (TSO), em que uma lasca é extraída para uma face, enquanto a outra o é para a face oposta; secção transversal trapezoidal.  

3. Técnica de talhe A (TA). Não há levantamento de lascas, (ou se o há elas são de reduzidíssimas dimensões), mas um boleado ou um polimento, do qual resulta uma pequena concavidade, sensivelmente em forma de B, mais pronunciada no sentido do eixo transversal e afectando ambas as faces, permitindo assim uma maior protecção ao fio envolvente, mormente nos entalhes. Poder-se-á aparentar este tipo a alguns exemplares do Caratão (HORTA PEREIRA, 1970: 46).

4. Técnica de talhe B (TB). Os chanfros apenas são definidos através de um lascamento finíssimo e superficial, operando um pequeno sulco que aproveita o boleado natural do seixo e afectando ligeiramente ambas as faces.

Dos quatro tipos apontados três representam a grande maioria dos talhes observados, constituindo o quarto (talhe B) mais um subtipo do que propriamente um tipo. Não obstante isso, pareceu-nos preferível acrescentá-lo, não pela sua raridade mas pelo contexto em que ocorreu.







Critérios sobre cerâmicas
De uma maneira geral, refere-se o espólio cerâmico mais significativo e que oferece elementos para datação, não se entrando em pormenores descritivos exaustivos de pastas ou coloração, salvo raras excepções; isto porque são geralmente peças vulgares, que não justificam tais minudências. Relativamente às formas cerâmicas Neo-Calcolíticas, utilizámos como auxiliar a descrição dos tipos morfológicos dos povoados do Calcolítico do Baixo Alentejo e Algarve (SILVA e SOARES, 1976/77).
Principais siglas e abreviaturas
Alt. - Altura

Aprox. - Aproximadamente

c. - Cerca de

CMP - Carta Militar de Portugal

Comp. - Comprimento

Diâm. - Diâmetro

EN - Estrada Nacional

EM - Estrada Municipal

Esp. - Espessura

Est - Estampa

Inf. - Inferiror

Larg. - Largura

Lang. - Languedocense

MP - Mio-Pliocénico

Neo / Neol. - Neolítico

P. ex. - Por exemplo

Q1... - [Terraço fluvial] do Quaternário, reportado à CG - Carta Geológica de Portugal

Seg. - Segundo

Sup. - Superior

ANTT - Torre do Tombo
Cronologia da evolução civilacional
divisões geológ. e glaciações hominização períodos evolução civilizacional tempo A.C.
quaternário holocenico post. glaciar homo sapiens idade do ferro >metalúrgica do ferro
>escrita
>consolidação das estruturas políticas
0

1000
idade do bronze > novas armas, novas técnicas de guerra
> consulidação das hierarquias sociais
> aparecimento de centros de poder político


2000
calcolítico > metalúrgica
> povoados fortificados
> monumentos fornerários diversos


3000
plistocénico superior









plist. médio









plist. inferior
wurm neolítico > cerâmica e pedra polida
> agricultura e pastorícia
> aldeias
> monumentos funerários megalíticos



5000
mesolítico > microlitização da indústria lítica
> pesca e recolha de moluscos
> inicio da sedentarização e demesticação


10000

paleolítico superior > Magdalenense - aparecimento da arte (parietal móvel)
> Solutrense - desenvolvimento das estruturas de habitat
> Granvetense
> Aurignacense - especialização dos utensílios líticos e em osso
> Castelperssonense



75000
paleolítico médio > Mustierense - técnica levallois no talhe da pedra (raspadeiras, pontas...);
habitat em cavernas e abrigos;
primeiras inumações
homem de neanderthal
100000
riss mindel pitecantropos peleolítico inferior > Acheulense - indústias líticas diversificadas (bifaces, machados...);
utilização do fogo;
caça e recolecção
gunz australopitecus 350000

500000

700000

1000000*
*1º's instrumentos (seixos afeiçoados)