Localiza-se este concelho no Nordeste do Ribatejo, no distrito de Santarém, tendo como pontos extremos do seu território os paralelos 39 14’ 04’’ e 39 38’ 52’’, respectivamente a Sul e a Norte, e os meridianos 7 56’ 17’’ e 8 21’ 14’’ W de Greenwich, respectivamente a Oriente e a Ocidente. É delimitado a Norte pelos concelhos de Vila de Rei e Sardoal, a Sul pelos de Ponte de Sor e Chamusca, a Oeste pelos de Constância e Tomar, e a Leste pelos de Gavião e Mação. Beneficia, por conseguinte, de um excelente enquadramento posicional no conjunto do território português, com a Beira Interior a Norte, o Alentejo a Sul e Leste e a Estremadura / Vale do Tejo propriamente dito para Oeste-Sudoeste. Esta posição central e de convergência de três das principais regiões do país encontra-se materializada nos sistemas viários nacionais, que aqui se cruzam – A23 e IC7, e futuramente também o IC9, as antigas EN n.ºs 2, 3, 118 e 358, e as linhas férreas da Beira Baixa e Leste.
É um concelho dos mais antigos do país, com atestação oficialmente reconhecida desde Dezembro de 1179, data em que lhe foi atribuída Carta de Foral pelo rei Fundador. A sua estrutura territorial, que aliás já vinha de algum tempo antes, foi, todavia, variando ao longo dos tempos, como se pode verificar pelas primeiras demarcações. Assim, em 1173 (ano do documento mais antigo e incontestado que se lhe conhece – doação por D. Afonso Henriques à Ordem de Santiago), o castelo de Ablantes apresentava os seguintes termos e divisões:
“Pelo Zêzere, onde entra no Tejo, seguindo pela margem (direita) do Tejo até ao termo da Idanha; e além do Tejo pela cumeada sobranceira à vinha dos freires (da Ordem) do Templo (¹), e daí como vai por aquela cumeada sobranceira à mata de Alcolobra até meter no arracefe, no Almegião (²), até à Ponte de Sor (quomodo fert in arracef, in Almegion, ad pontem de Soor), e daí como corre o rio Sor para montante até à cabeça de Algude (Alagoa?), e daí às cortaduras (da serra) de Marvão (ad taliadas de Marvan), conforme vertem no Sever, e torna (por este rio) ao Tejo (³)“.
Era, efectivamente, um extenso território este, que resultava do desmembramento, na margem direita do Tejo, do termo da velha Idanha (Egitania) e abrangia grosso modo os actuais concelhos de Constância, Abrantes, Sardoal e Mação, e, na margem esquerda, alastrava até à fronteira castelhana, englobando além de Constância (Sul), Abrantes e Gavião, os actuais concelhos de Ponte de Sor (parte), Nisa, Castelo de Vide e Marvão.
Por quanto tempo se mantiveram estes limites? Ao certo não poderemos sabê-lo. Tanto o Foral, como as suas sucessivas confirmações régias não comportam quaisquer referências a marcas delimitatórias do concelho, talvez porque previssem desde logo uma circunscrição territorial flexível e dinâmica. Porém, parece óbvio que aquele termo não podia durar muitos anos. A própria concessão do foral em 1179 é já por si um indício de que o anterior termo deve ter sido modificado por essa altura, já que os Espatários não defenderam devidamente o território concessionado e permitiram até, nesse ano, uma incursão almóada sobre o florescente burgo abrantino. Não pode estranhar-se, pois, que em 1194 tenham sido doadas aos Hospitalários as terras de Guidimtesta, para que nelas levantassem um castelo – que veio a ser o de Belver – e através deste reforçassem a linha defensiva do Tejo e fomentassem o repovoamento das terras alto-alentejanas.
O “privilégio de Belver” tem alguma importância para o nosso concelho, porque é o primeiro documento conhecido a definir com alguma precisão os primeiros limites do território abrantino entre o Tejo e o Zêzere; por ele se verifica também que grande parte daquele vasto território a Sul do Tejo, que pertencera a Abrantes, mudou para a alçada dos freires do Hospital. Era esse um tempo em que as fronteiras sofriam constantes oscilações de traçado, em virtude das lutas de reconquista além-Tejo e do jogo de interesses das Ordens militares, pelo que não será de estranhar que o concelho de Abrantes, dada a sua situação de charneira do Tejo, demorasse a estabilizar a sua configuração.
Os desmembramentos do Sardoal, em 1531, e de Punhete (Constância) em 1571 foram, no entanto, os mais sentidos pelos abrantinos, que em vão tentaram obstar no tempo a mais estas amputações. Apesar disso, o concelho manteve grande pujança económica, bem alicerçado no conjunto de núcleos urbanos e rurais que ainda hoje o integram, a que se juntavam mais quatro importantes freguesias rurais: Montalvo e Santa Margarida da Coutada (hoje integradas no município de Constância), Penhascoso, com a Ortiga ainda incluída, mais a Aboboreira (hoje concelho de Mação). Com esta estrutura administrativa se foi equilibrando até ao final do século XIX, altura em que as reformas de 1895 e 1898 fixaram o concelho que hoje é (⁴).
O presente território, principal elemento físico da identidade abrantina actual, pela sua evolução e pela sua heterogeneidade, misto de várias regiões (tanto de ordem física como antropológica), não poderá, por consequência, ser tomado como uma solução absolutamente natural, espontânea, forjada pelos abrantinos, nem provavelmente definitiva, se tivermos em conta a longa / longuíssima duração. É antes o produto de um conjunto de acasos, de hesitações, de relações temporais, de algumas escolhas, mas sobretudo de negociações entre poder central e poderes locais. O concelho é o que hoje é, mas podia bem ser outro. E, se o pensarmos arqueologicamente, então o artificialismo ainda ressalta mais, como facilmente se depreenderá.
Que relevantes diferenças ambientais existirão, por exemplo, entre as freguesias de Carvalhal e Sardoal/Santiago de Montalegre, entre Mouriscas e Ortiga, entre Rio de Moinhos e Montalvo, ou Tramagal e Santa Margarida da Coutada? Por outro lado, que semelhanças ou pontos de contacto existirão entre Fontes e Vale das Mós ou Bemposta? Para um “pré-histórico”, ou mesmo para um “abrantino” (ou ariciense?) dos tempos romanos estas fronteiras não faziam sentido. São, porém, as que temos presentemente. E por elas temos de nos guiar.
Com os seus cerca de 700 km2 de superfície, é hoje o terceiro maior concelho do distrito e, mesmo a nível nacional, de dimensão acima da média.
(1) Vinha que existiria na margem esquerda do Tejo, mesmo defronte do antigo Castelo do Zêzere. O castelo templário estaria situado na margem direita do Zêzere, junto da sua foz e sobranceiro ao Tejo. No alto (sítio de N.ª Sr.ª da Conceição) observam-se ainda restos numa estrutura, que todavia parece apontar para data mais recente. Trata-se de três troços de muralha em forma de U, acusando várias reconstruções. Na muralha virada para o Tejo, com cerca de 23 metros, é visível aparelho de pedra e cal e, na muralha virada para Constância, aparelho de pedra e argila. Da muralha Oeste restam poucos vestígios. O escasso espólio recolhido aponta para a Idade Média. Um bloco aparelhado de granito, existente no local, aparenta feitura romana, embora no local não tenhamos registado outros elementos do mesmo período. O dito castelo, com o seu termo, fora doado pelo monarca aos Templários em 1159; a vinha foi incorporada na doação/confirmação do mesmo Castelo feita em 1169, abrangendo ainda os castelos de Cardiga e de Tomar.
(2) Este arrecefe seria certamente a velha estrada que ligava Tancos à Ponte de Sor, passando ao lado do Tamazim e Água Branca, à qual adiante faremos mais pormenorizada referência. O casal do Almegião deveria situar-se na zona do Tamazim (na actual freguesia de Bemposta). O topónimo ainda se atestava em 1625.
(3) Cf. AZEVEDO (1958: 417, doc. 317). Vide também J. P. Martins Barata, “Doação dos castelos de Monsanto e de Abrantes com o seu termo, por D. Afonso Henriques em 1172 e 1173, à Ordem de Santiago da Espada”, Ethnos, vol. IV, Lisboa, 1965.
(4) Cf., sobre toda esta matéria, J. Candeias Silva, «Abrantes – Identificação de um Concelho», Zahara, n.º 4, Dez. 2004: 31-46. Pelo seu interesse arqueológico, veja-se também a carta de demarcação do Sardoal, passada por D. João III em 10 de Agosto de 1532, in GONÇALVES (1992).